Notícias e curiosidades sobre Patchwork

Cabe a nós preservar e estimular a arte de nossos ancestrais!

“ENTENDENDO SOBRE A ENGENHARIA DO PATCHWORK”
Saberes e sentidos polissêmicos em telas geométricas de patchwork
…Patchwork deriva da produção de arte têxtil, elaborado a partir de pedaços de tecidos recortados em formas geométricas e unidos com costura formando uma espécie de mosaico.
É importante salientar que na produção de patchwork há duas grandes categorias, uma considerada artesanal e outra, com caráter artístico. Na primeira produção, as artesãs utilizam moldes, baseando-se em instruções prescritas/heterodeterminadas por um especialista, sendo que a maior parte dessas peças artesanais são utilitárias para ambiente doméstico (toalha de mesa, guardanapo, colcha, adornos femininos). Já no segundo tipo de produção, o artístico, as artistas confeccionam as telas de modo relativamente livre, embora nem sempre sejam portadoras de diplomas das Artes Plásticas. Parece que a “heterodeterminação de normas industriosas restringe a esfera de conquistas inventivas”.
Embora seja a técnica remeta à aparência das colchas de “retalhos da vovó” produzidas antigamente de modo artesanal em outros países e culturas, nesse sentido, pode ser interpretada como ocasião para reminiscência, por parte do observador brasileiro, da cultura popular, notadamente rural. Essas colchas antigas de retalhos eram funcionais, por protegerem os menos afortunados contra o frio, sem deter valor de mercado, apenas de uso; situação inversa da atual, onde o mercado expõe colchas de patchwork com reprodução primorosa de formas geométricas e com valores que chegam a ser exorbitantes.
As formas disformes semiunidas, pois, ao mesmo tempo, que se juntam, são dispostas em blocos separados em relevo e sobrepostos. As cores e estampas dos seus elementos assumem certo padrão por combinar cores frias, indo do palha ao azul e verde com nuances de tons, e apresentando estampas florais e folhagens, discretamente dispostas. Muito embora às vezes contenham formação de paisagens que esboçam rios, solos e plantações, essas são interrompidas a cada bloco de tecidos sobrepostos em relevo, não dando continuidade paisagística, mostrando a fronteira entre artesanato e obra de arte.
A dicotomia entre dissimetria e simetria de formas, característico e presente nos trabalhos de patchwork dizem despeito por serem produzidos por artistas diferentes, que se complementam. Enunciam, contraditoriamente, a desproporção de medidas dos seus elementos, marcados por tortuosidades, porém, ao mesmo tempo, com simetria dos conjuntos desses elementos, ou seja, o centro de cada conjunto de peças existem unidades disformes, mas estão presas em um fundo com forma geométrica, relativamente, bem definida por delineamento de quadrados e retângulos.

A idéia de complementariedade entre as duas telas, aliada à dissimetria dos seus elementos, deixa entrever a leitura de ruptura e continuidade, essencialmente por sugerirem sua coparticipação em um processo de construção de formas, portanto, rompem com o padrão geométrico e, simultaneamente, eclode um sugestivo paradoxo.
Nesse contexto ambíguo de (des)continuidade, fusão/cisão e (dis)simetria avulta-se instigante um primeiro olhar sobre os trabalhos por nós produzidos que sadiamente devem ser confrontados com as peças utilitárias de patchwork, apreende um ambiente de caos. É como se não houvesse um ordenamento na composição dos elementos, as formas acidentadas das unidades estimulam a interpretação de certa confusão, como se fossem obras do acaso e não casos de obras de arte, o que de fato são! .
Isso assinala não se tratar de caos, mas o inverso: vigora nesse espaço a lógica própria do cosmo, há ordem que integra as partes a despeito de suas diferenças.
O conhecimento complexo não deve restringir a “sua operacionalidade na medida e no cálculo”, pois essa exacerbação engenharia desintegra os seres, considerando-os como únicas realidades válidas “as fórmulas e equações que governam as entidades quantificadas”. Para ultrapassar o pensamento simplificador, é necessária a “conjunção do uno e do múltiplo (unitas multiplex)”, não unificar anulando a diversidade e não justapor a “diversidade sem conceber a unidade”.
Uma das peculiaridades da obra de arte, especialmente a abstrata, é a sua maleabilidade de significados diante das interpretações dos observadores. A sua riqueza analítica reside em ser, em geral, acolhedora das diferentes visões de mundo dos indivíduos que a apreciam. Diferentemente são as peças utilitárias de patchwork, cuja tendência é mostrar figuras conhecidas e com significados cotidianos compartilhados pela coletividade. Avulta-se aí uma reflexão proeminente: em função de a obra de arte, geralmente, recusar a adesão a sentidos unívocos, assume-se como terreno da hermenêutica.
Refletir sobre o belo na arte é um exercício hermenêutico controverso. Se para o senso comum, a beleza na arte é efeito da beleza na natureza, pode-se até afirmar o inverso: “o belo natural é um reflexo do belo artístico”. Os critérios utilizados na apreciação sobre algo considerado belo na natureza tomam como referência os valores apreendidos do tempo e do espaço no qual se vive. Na perspectiva hegeliana: “O modo como a natureza nos agrada pertence muito mais ao contexto de um interesse de gosto que é respectivamente cunhado e definido pela criação artística de um tempo”.

A obra de arte sempre diz algo e isso passa, necessariamente, pela experiência de confrontá-la conosco. Logo, compreender o sentido de uma obra de arte requer um encontro consigo mesmo, um mergulho na (inter)subjetividade, por decorrência, jamais haverá um único sentido cognoscível para uma obra de arte.
O autor destaca que um aspecto fundamental da Cosmogonia religiosa e mítica reside em descrever a origem e a formação do Universo, tomando o “Centro” como o locus principal, pois, é nele que se encontram os princípios norteadores do Cosmo Daí a importância do círculo na geometria simbólica e, por decorrência, da espiral que contém um ponto central, cuja função é afastar o caos e trazer a organização, portanto, sanar conflitos.
Essa ideia da geometria simbólica converge para a Etnoengenharia, que não apenas pluraliza o termo engenharia, mas lhe introduz as múltiplas interpretações construídas culturalmente. Expõe o sentido etimológico de Etnoengenharia: ethno, contexto cultural; matema, explicar, conhecer, entender, e tica, técnica e “arte”. Entre essas técnicas, estão a de contar, medir, classificar, ordenar e inferir. Assim, Etnoengenharia apresenta-se como:
“a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais. Nessa concepção, nos aproximamos de uma teoria de conhecimento ou, como é modernamente chamada, uma teoria de cognição”, dividida em três momentos interativos: “geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais. Portanto, o enfoque é fundamentalmente holístico”.

Redirecionando esta perspectiva ergológica para o patchwork, embora a ciência disponha de conceitos racionais sobre as formas geométricas empregadas no artesanato artístico, o seu fazer prático é composto por modos distintos e próprios das artistas e artesãs que reelaboram e gerem a sua atividade. Aí aflora a acepção do autor de usos de si: “todo trabalho é sempre uso de si, entendido, simultaneamente, como uso de si pelos outros (indo das normas econômico-produtivas até as instruções operatórias) e uso de si por si mesmo (revelados nos compromissos micro-gestionários)”. E em algumas situações, os “usos de si pelos outros” também são constituídos por “dramas”, movidos por coerções, logo, por sofrimento.
Pode-se também produzir telas geométricas que se travestem de formas com volume, ou ainda, formas que dada à disposição e alinhamento de seus traços nos dão a impressão de serem tridimensionais, embora sejam figuras planas. O entrelaçamento de formas, aliado ao contraste de cores e ao efeito de luz que incide sobre elas, produz uma perfeita ilusão de ótica, pois, a despeito de serem figuras construídas em um plano bidimensional, passam a impressão de terem volume com três dimensões: altura, largura e profundidade. .
A técnica do ilusionismo com as formas imagéticas é própria do trabalho artístico e pouco vista em objetos artesanais, muito embora o entrecruzamento de pedaços de tecidos no patchwork favoreça a produção dessa ilusão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No patchwork, a Engenharia e a Arte travam uma aliança fundamental: enquanto a Engenharia fornece a precisão das formas geométricas, a Arte elabora formas imprecisas, a maestria daquela precisão aritmética permite ao ser humano dominar o mundo das coisas, na Engenharia, na Medicina, etc., e a disformidade na estética lhe possibilita pensar o mundo com outros modos de ver. Ambas as visões nos projetam para o futuro com certezas e incertezas, construindo a nossa própria História, embora ora assujeitados, mas com a potencialidade de sujeitos.
Enquanto a Engenharia quantifica, a Arte qualifica, uma complementa a outra, em grande medida, em virtude da pluralidade do ser humano. Destaca-se que as metodologias e doutrinas racionalistas são insuficientes por imputarem a equivalência máquina-homem, todavia, este não se restringe ao quantum e ao métrico.
Uma arte que instiga os indivíduos a pensarem em outras perspectivas espaço-tempo, permitindo a confluência entre pensar a imagem e a imagem que faz pensar, alimenta a sua capacidade de criticidade. Acentua-se que a arte se mostra como um presente absoluto e, simultaneamente, à disposição do futuro: nos toca com familiaridade, ao mesmo tempo, que nos abala o habitual. Por meio das formas que se transformam, a arte diz quem somos e também diz que devemos mudar nossa vida.
Quem traz dentro de si o poder de materializar a criação de algo que estava apenas no plano da ideia através dos conhecimentos matemáticos, técnicos e científicos na criação, aperfeiçoamento e implementação de utilidades há de se encantar com a arte do Patchwork!!! (Helô)
Referências
Ergologia, n° 18, Décembre 2017
TRABALHO DE PATCHWORK E SUA DIMENSÃO TRIÁDICA: SENTIDOS GEOMÉTRICO CONCEITUAL, ARTÍSTICO E SIMBÓLICO
Cristiane A. Fernandes da Silva Luiz Celoni
BIALIZ PRODUÇÕES. Patchwork Design. (Curadoria: Zeca Medeiros). http://www.bializ.com/patchworkdesign/midia.php
CANGUILHEM, Georges (1947) Milieu et normes de l’homme du travail. Cahiers Internationaux de Sociologie. Paris: Seuil. v. 3, cahier double, deuxième année, p. 120-136.
ELIADE, Mircea (2001) Sagrado e profano: a essência das religiões. (trad. Rogério Fernandes), São Paulo: Martins Fontes.
GADAMER, Hans-Georg (2010) Hermenêutica da obra de arte. (trad. Marco A. Casanova). São Paulo: Martins Fontes.
SANTOS, Ernani M (2012) Discurso e atividade engenharia de praticantes de patchwork. Tese de Doutorado em Psicologia Cognitiva. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.
SANTOS, Ernani M (2013) Produção de Sentido em Engenharia: um olhar a partir das contribuições de Wittgenstein. Diálogos – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade. n. 8 – fev./mar., p. 163- 177. http://www.revistadialogos.com.br/Dialogos_8/Ernani.pdf

Compilação Por André Possebon Água

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